São Silvestre,
filme de Lina Chamie, em cartaz em São Paulo, entra na classificação de
documentário. Mas é, acima de tudo, uma experiência sensorial. Qualquer
espectador médio que chegar à sala de cinema sem esta informação pode estar a
meio caminho de não gostar do filme.
Isso não acontece porque seja mau filme – longe disso, aliás
–, mas porque é diferente, e o diferente exige sempre olhos livres, que é algo
escasso em tempos de público de cinema anestesiado pela mesmice de filmes
convencionais.
Mas, sabendo antes o que pode encontrar, este mesmo espectador
terá a chance de mergulhar em uma experiência inusitada e original, capaz de
trazer revelações e epifanias inesperadas.
De certa forma, São
Silvestre á uma antinarrativa, ainda que siga uma cronologia de fatos. Se
seu foco principal é a tradicional Corrida Internacional de São Silvestre,
evento esportivo paulistano por excelência, sua lente e montagem não deixam de
lançar também um olhar sobre a cidade de São Paulo.
Não há diálogos, não há voz de narração, nem explicações. Ao
som de composições clássicas, o filme desliza e imerge. Desliza pela cidade,
imerge na corrida.
Primeiro, o faz no que pode ser um treino de preparação para
a prova. Mas o atleta que se prepara mal aparece em cena. O que vemos são
partes de São Paulo sendo engolidas pelo treino ao mesmo tempo que, sonoramente,
nos vemos imersos no ato de correr. Correr pela cidade.
Depois, a cidade. No dia-a-dia da metrópole, as imagens não
buscam traduzir esse cotidiano, mas também não se limitam a contemplá-lo. São
ângulos, momentos, tempos mortos que revelam nas entrelinhas um tipo de
fervilhamento endêmico, incessante. Encontra nas ruas e nos rostos um sentido
São Paulo de ser.
Só então vem a corrida. Atravessá-la, enquanto ela própria,
expressa na multidão de anônimos, atravessa a cidade, ganha então uma dimensão
universal e particular. Mas como a diretora Lina Chamie chega a este resultado
tão próximo de cada um de nós, único, e ao mesmo tempo universalizador, é algo
que não se pode dizer, contar ou explicar: é preciso ver. Ou melhor, sentir.
Para tanto, no entanto, dispensa-se qualquer experiência de
corrida. Não é preciso ser praticante, nem ter já participado da prova para ser
levado pelo filme a uma experiência de sentidos e completude. Basta estar
preparado para vê-lo, para percorrê-lo, com olhos e espírito livres.
Na sua estrutura inusitada, de apostar nos sentidos mais do
que na narrativa, São Silvestre se
mostra uma ato de coragem e ousadia. Só por isso já mereceria ser visto.
Mas o filme vai além. Alcança seu objetivo de nos trazer não
apenas os sentidos únicos de estar dentro da São Silvestre, a corrida, mas também
a sensibilidade de conduzir sutilmente nosso olhar para São Paulo, a cidade. No
processo, a simbiose nem sempre fácil entre ruas, pessoas, corrida, cidade. O
resultado: uma experiência inesperada.
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São Silvestre
Lina Chamie
Brasil, 2013
80 min.
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