Filmes que nos levam às lágrimas costumam partir de uma manipulação de emoções que tentam sempre nos “convencer” a chorar. Essa manipulação vai desde a mais óbvia, que é subir o volume da música durante uma cena triste, até a mais sofisticada, como é o caso desse Piaf – Um Hino ao Amor.

Nascida pobre, Edith passou parte de sua infância entre a
negligência da mãe alcoólatra e a distância de um pai errante, contorcionista
de circo. Uma errância que a levou a viver, ainda muito criança, sob os
cuidados da avó, dona de um bordel. A certa altura, a jovem Edith se vê obrigada
a cantar nas ruas para conseguir algum dinheiro. Até que das ruas vai para os
bares e dos bares para os grandes palcos.
Edith, que recebeu de um de seus primeiros incentivadores o
nome “piaf” em referência a como são chamados os pardais em uma região da
França, foi um talento nato, aprimorado pela expressividade amargurada de uma
vida marcada por afetos muitas vezes ríspidos e uma saúde frágil.

Este recurso de picotar a narrativa, ainda que não a
confunda, tampouco mantêm facilmente claras as relações de causa e efeito nos
grandes acontecimentos da carreira de Piaf, especialmente na segunda metade de
sua vida. Mesmo datando com precisão alguns momentos fundamentais dessa
trajetória, a montagem do filme elide algumas conexões entre fato e
consequência.
Ao longo de dois terços do filme, essa opção parece incômoda,
na medida que embaralha essa trajetória. No entanto, mesmo esse leve
desconforto não interfere na forma como o filme deixa transparecer o que
realmente importa ao dar uma personificação bem definida da cantora, de seus
caprichos, de sua personalidade, de seus amores e de suas mágoas.

Deixa claro no final que não se trata mais de explicar a
vida da cantora como um relato documental de fatos, consequências, causas e
efeitos. No lugar desse didatismo morto, percebe-se que ao filme interessa
muito mais simbolizar e significar o que há de mais essencial na trajetória da
cantora. Uma essência marcada pela grande atribulação de uma vida de altos e
baixos, cheia de um sentimento profundo de busca pelo amor. Um amor do qual sempre
se ressentiu pela falta que fez em sua vida, tracejada na melancolia
indisfarçada presente no grande sentimento de suas interpretações.
É na compreensão das intenções reais do filme que este
cresce imensamente, pois fica claro que a ele não interessa relatar a vida de
Piaf, mas de senti-la naquilo que é mais marcante: a inconstância da felicidade
e a permanência do grande sentimento. Como em uma entrevista em que a toda
pergunta feita em tom de “que conselho você daria para...” a cantora responde:
ame, ame, ame.
Assim, a atribulada montagem se transforma em metáfora da
atribulada vida que quer representar. Uma representação que muito deve ao trabalho
extraordinário de Marion Coutillard como Piaf. Uma prova do talento da atriz,
na qual revela uma atuação inspirada, articulada com riqueza de tons e intensidades.
É Coutillard quem dá vida à arquitetura de filme, que no seu
arranjo não deixa de ser manipulador de nossas emoções. Essencialmente por
construir-se de forma a reservar para o fim o grande golpe de emoção, presente
na letra da canção que o encerra. Uma canção que sintetiza a existência e o
sentimento da cantora. Um artifício de manipulação, sim. Mas que funciona não
apenas porque foi brilhantemente executado, mas porque traz em si um sentimento
de verdade e compaixão que só uma vida como a de Piaf poderia trazer.
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La Môme
Olivier Dahan
França/Reino Unido/República Checa, 2007
140 min.
Trailer
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