Mais do que simplesmente falar da música brega – adjetivo
que pode englobar um amplo leque de subcategorias musicais – o documentário de
Ana Rieper é uma viagem pela natureza sentimental do brasileiro.
Nele, encontramos uma “afetivo-brasilidade” autêntica, sem
floreiros e sem maquiagem. São paragens precárias, bares, prostíbulos, casas
semiacabadas, pedaços de nossa mazela social. Em todos eles, as dores
sentimentais, também conhecidas como “dor e corno”. E qual música melhor
representa este sentimento, quando a vida humilde se mistura à infelicidade no
amor?
Vou Rifar Meu Coração,
título que se refere à letra de uma conhecida canção do gênero, é composto de
retratos e canções. São histórias de abandono, dor, traição e situações
absurdas. Essas histórias são emolduradas pelas canções e pelos depoimentos de
nomes de relevo desse universo artístico. Amado Batista, Lindomar Castilho,
Aguinaldo Timóteo, Wando, Nelson Ned, entre outros, exemplificam e explicam a
natureza sincera e arrebatadora de suas canções.
Ao buscar histórias de vida cujos fatos se relacionam com as
melosas e doloridas letras das canções bregas, o filme faz um retrato que
evidencia que na dor da “cornitude” e no fogo da paixão, não se distinguem
pobres e ricos. Como afirma um personagem ao dizer que, quando leva um “pé na
bunda”, tanto o pedreiro quanto o médico choram e sofrem do mesmo jeito.
Acusado de machista pelas previsíveis patrulhas, o filme
traz na verdade uma carga de sinceridade pouco vista no cinema nacional. Sem
julgamentos, apresenta o afetivo que reside na nossa simplicidade atávica. Suas
histórias, cujo sofrimento não dilui o cômico de algumas circunstâncias, são o
reflexo de nossa condição mais verdadeira, na qual o tesão, a paixão e o amor
desmedido não encontram barreiras de classe.
No campo da polêmica, a presença de Lindomar Castilho pode
incomodar alguns. O cantor assassinou a tiros, em 1981, sua ex-mulher.
Tornou-se ele próprio personagem do ciúme de suas canções. Cumpriu pena pelo
crime e hoje vive isolado no interior de Goiás. Abandonou a música. Castilho só
aceitou dar depoimentos para o filme se o seu crime não fosse citado. Já no
campo da saudade, a presença do cantor Wando, falecido em fevereiro deste ano.
Em uma sociedade marcada pela brutal desigualdade, talvez um
dos poucos pontos de contato entre classes esteja no sentimento doloroso do amor
e da perda. Para dar vazão a todo esse sentimento, criamos um peculiar cancioneiro
que, travestidos de uma sofisticação artificial, podemos até renegar. Porém, não
escapamos de também sentir, afetivamente, a força desse cancioneiro. Podemos
até sair dele, mas ele nunca sai de nós. Vou
Rifar Meu Coração mostra isso muito bem.
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Vou Rifar Meu Coração
Ana Rieper
Brasil, 2011
76 min.
Trailer
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