A Grande Beleza,
novo filme do diretor italiano Paolo Sorrentino, não disfarça sua devoção a
Federico Fellini nem à sua obra-prima: A
Doce Vida, de 1960. Mas esta devoção em momento algum se sobrepõe à
assinatura de Sorrentino na condução deste que é uma visão crítica e atualizada
de uma elite ruída em sua própria letargia de valores.
Ainda assim, é quase inevitável a comparação entre o
protagonista Jep Gambardella, interpretado com carismática maestria por Toni
Servillo, e Marcello Rubini, imortalizado por Marcello Mastroianni no filme de
Fellini.
Ambos são jornalistas e frequentam a movimentada noite da
elite romana. A diferença fundamental, no entanto, é que o personagem de
Fellini exprime ao longo do filme uma angústia crescente, como a se
conscientizar da condição banal de sua vida, ao passo que Jep encara essa
condição com cinismo, sem grande sofrimento.
Nos primeiros minutos do filme vamos conhecer Jep em sua
festa de aniversário, quando completa 65 anos. Ao som de música eletrônica, em
uma moderna casa noturna, vemos na pista homens e mulheres, todos vestidos com
uma elegância a um passo do espalhafato, dançando com entusiasmo. Nota-se
rapidamente a ausência de jovens: todos giram pela casa dos 50 anos.
A partir daí seguimos a jornada de Jep por outras festas,
pela casa de amigos e recebendo amigos em sua própria casa, além de vagar pela
cidade. Nessa jornada, entre o cinismo e o saudosismo da juventude,
acompanhamos reflexões sobre o tempo e sobre o presente; este último, revelador
de figuras hedonistas, homens e mulheres cujo baixo intelecto é disfarçado pela
afetação de uma vida artificial.
Contudo, as reflexões de Jep não vêm apenas de seu monólogo
interior, o que poderia afastar o filme de sua leveza caricata. Elas surgem
também nas imagens e situações que transitam pelo tom onírico e pelo deboche
elegante.
É o caso, por exemplo, da passagem por uma clínica que faz
aplicações de botox em ritmo praticamente industrial ou do casal de “nobres de
aluguel”: um conde e uma condessa que cobram para aparecer em festas, no melhor
estilo das sub-celebridades de hoje em dia.
Toda essa aventura humana, representação da vida, livre do
existencialismo e calcada no niilismo, tem sempre uma reserva de beleza, como a
confirmar a vaidade. Esse espelho é representado por uma Roma de palácios,
fontes e arcadas. São cenários cuja fotografia esmerada do filme capta como que
para reforçar o belo em seu sentido de reflexo de quem o contempla. Assim, esse
belo não é apenas um deleite, mas também um artifício de espelho. Mas este belo que está há tanto tempo estático ali é como moldura da decadência de quem se enxerga nele.
No olhar crítico de Sorrentino, não escapa também a igreja
católica, na figura de uma mulher santa dedicada à pobreza. Nela talvez resida
a mesma epifania que fecha A Doce Vida,
que no caso do filme de Fellini se apresenta como um monstruoso peixe morto na
praia.
Menos ácido, Sorrentino atribui à figura santa o peso do
desfecho que vem da natural morte que a tudo amealha, precedida pela estranheza que uma vida simples causa a essa elite em derrocada moral. Não se trata, por isso,
de encontrar significado para a vida, mas de tê-la vivido, de ter estado no
mundo. Tudo isso carrega um valor à margem de sentidos morais. Vive-se,
simplesmente, a despeito da miséria humana, a despeito da ausência de grande
significado e apesar de serem raros os momentos de grande beleza.
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La Grande Bellezza
Paolo Sorrentino
Itália/França, 2013
142 min.
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