Não falta material para polêmica em Shame, novo filme do diretor britânico Steve McQueen (que,
registre-se, não tem nada a ver com seu homônimo, o ator norte-americano
falecido em 1980). O McQueen de quem falamos fez sua estreia como
diretor em 2008 com Hunger, um filme
que dividiu a crítica e gerou polêmicas. De forma crua e escatológica, o filme
retratava a greve de fome que Bobby Sands, ativista do IRA (Exército
Republicano Irlandês), realizou nos anos 80 em protesto contra o governo da
primeira ministra britânica Margaret Thatcher.
No sentido visual, Shame
não causa o mesmo impacto de repulsa que Hunger.
Por outro lado, o drama de seus personagens é suficientemente intenso para nos
fazer sair do cinema atingidos pela força das imagens e dos desdobramentos da
trama. Um efeito que deve à excelente atuação de Michael Fassbender (o Magneto
de X-Men: Primeira Classe) grande
parte de seu poder atordoante.
Já há algum tempo elogiado por seu talento como ator,
Fassbender interpreta aqui Brandon Sullivan, um executivo bem sucedido viciado em sexo. Sem conseguir conter seus impulsos sexuais, ele consome pornografia
diariamente, faz sexo com estranhos, masturba-se no trabalho e frequentemente
contrata prostitutas para satisfazer-se. Mas o que pode parecer um
filme orgiástico, repleto de cenas pornográficas, é na verdade uma trama que
trabalha também a sugestão, o implícito. Não que não tenha cenas de sexo e
nudez, mas a gravidade dos acontecimentos são construídos mais pelas lacunas de
sexo do que pelo explícito dos atos cometidos.
McQueen cria em seu filme um equilíbrio eficaz entre a
sordidez da rotina de um dependente de sexo - com sua contínua degradação - e a psicopatologia que o afeta de forma irreversível e penosa. Neste universo sombrio, o estopim da trama inicia-se com a
chegada da irmã de Brandon, interpretada por Carey Mulligan (de Drive). Ela é Sissy, uma cantora da
noite que está sem ter onde morar depois que terminou com o namorado. Sua
inadvertida aparição na vida de Brandon dá-se inicialmente como um pêndulo que
oscila entre o desconforto e a tensão, passando pelo carinho.
Como seu irmão, Sissy também apresenta desvios emocionais.
Mas os delas se revelam na carência afetiva e nas marcas de lâminas que traz
nos pulsos. Parte da intensidade do filme se dá pela relação
ambígua entre Sissy e Brandon, uma ambiguidade que surge de impacto
desde a primeira aparição dela na tela. Da frieza com que ele a trata à forma
como ele a olha, a premissa do incesto vagueia pela química entre ambos; nos
gestos de afeto dela e nos confrontos exasperados dele.
É a entrada da irmã na vida de Brandon que parece
desencadear uma perturbação maior em seu distúrbio emocional, levando-o
primeiro a uma busca afetiva concreta e depois a uma queda em espiral rumo ao
mais degradante em seu vício. É pungentemente triste perceber sua inaptidão
para as relações sociais afetivas, assim como seu invólucro superficial de
dependência, no qual o prazer imediato parece ser a única forma de escape e
alívio.
Esta complexidade do personagem é explorada de forma
brilhante pelo diretor. Em especial na sequência em que Brandon demonstra toda
sua inabilidade em lidar com afetividade durante um desconfortável jantar com
uma mulher. O desenrolar desse encontro será a constatação da patologia grave
que o afeta, ao mesmo tempo que com outros fatores o levará à espiral
degradação.
Quando arrastado pelo redemoinho de uma noite em busca de
satisfação, será a voz desesperada de sua irmã, gravada na secretária
eletrônica, a única pista do que os fez na vida adulta cair na repetição da
eterna insatisfação e inalcançável plenitude. “Nós não somos pessoas más.
Apenas viemos de um lugar ruim”, diz Sissy, entregando uma tênue
chave para que se compreenda o drama de ambos. Mas esta chave e os
acontecimentos seguintes não se definem como a catarse final necessária à
redenção e ao recomeço. Fica apenas a incógnita do plano final, uma troca de
olhares e a expectativa interrompida entre o desejo e a razão.
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Shame
Steve McQueen
Reino Unido, 2011
101 min.
Trailer
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