Diante de seu médico, avançando em sua senilidade, a ex-primeira ministra do Reino Unido, Margaret Thatcher (Meryl Streep), faz um breve discurso sobre o que julga a fraqueza dos novos
tempos.
“Todos estão preocupados em como as pessoas se sentem, mas
ninguém quer saber o que as pessoas estão pensando. Vivemos num tempo em que
sentimentos são mais importantes do que pensamentos e ideias”, argumenta com
veemência a octogenária. E conclui, irritada: ”Não me pergunte como me
sinto, me pergunte no que estou pensando”. Esta pode ser a síntese do
pensamento da mulher que ajudou a ditar os rumos políticos e econômicos de um
tempo que o historiador Eric Hobsbawm (1917-2012) poderia chamar de crepúsculo do século XX.
Primeira mulher na história do Reino Unido a assumir a posto
de primeira ministra, Margaret Thatcher permaneceu no cargo por 11 anos, de
1979 a 1991. Seu governo foi marcado por medidas impopulares, bancadas com forte intransigência na
negociação com opositores. Com uma austera e conservadora política, ganhou o pejorativo título de Dama de Ferro. Alcunha que ela vestiu e “honrou” durante
todo seu governo.
Para contar a trajetória política de Thatcher, sob a direção
de Phyllida Lloyd (de Mamma Mia!),
Meryl Streep precisou atuar debaixo de uma pesada maquiagem de
envelhecimento. A atriz, recordista absoluta de indicações ao Oscar (acumula 16
indicações na carreira, tendo levado a estatueta em 1980 e 1983, por Kramer vs. Kramer e A Escolha de Sofia, respectivamente), está mais uma vez cotada para
o prêmio. Indicação mais uma vez merecida, já que sua atuação é excelente.
O filme se passa, inicialmente, nos dias atuais. Somos apresentados
a uma Margaret Thatcher que já sofre os efeitos da perda da razão. Necessitando de
cuidados especiais mas recusando-se a admiti-los, ela frequentemente imagina
estar conversando com seu marido, Denis Thatcher (Jim Broadbent, também
excelente no papel), falecido há oito anos. É a partir das conversas imaginadas
com o marido que ela reconstrói sua carreira surpreendente. Uma carreira que
levou a humilde filha de um quitandeiro de cidade do interior ao posto mais
alto da política britânica.
A diretora Phyllida Lloyd traça um perfil equilibrado de uma personalidade
controversa, que foi uma das mais influentes do Século XX. Parte do que o mundo
é hoje – especialmente a parte negativa, de colapsos econômicos – não deixa de
ser um efeito colateral, um desdobramento anestesiado da política do governo
Thatcher. Política que foi consolidada em aliança longeva com os EUA durante o
governo de Ronald Reagan. Evitando a monotonia, o
filme não se detém – nem poderia – sobre todas as ações polêmicas dos mandatos de Thatcher. Porém, faz um sobrevoo interessante e eficiente na construção de seu
pensamento conservador, arbitrário e impopular.
Ao refazer toda esta trajetória, o filme mantém em paralelo
sua figura atual, fragilizada pela idade e ressentida pela memória. Com sensibilidade, esse implacável efeito do tempo se alinha com os implacáveis anos de
seu governo, dando ao filme uma perspectiva histórica e humana. Assim, livra-se
de qualquer ranço didático, mantendo-se fiel ao caráter de uma época e de uma
governante.
De narrativa consistente, A Dama de Ferro não se propõe a mitificar ou desmitificar a figura
de Thatcher. Não suaviza sua impopularidade, como tampouco degrada sua figura
política. Com honestidade, faz um retrato franco, livre de
ressentimentos, mas duro com os fatos inescapáveis de um governo que foi
carrasco para muitos setores da sociedade britânica, em especial para os
sindicatos e os trabalhadores organizados. Independente do ascenso político ou
da pétrea determinação da figura de Thatcher, é no envelhecimento da personagem
que o filme repõe o traço humano e a devolve ao patamar da fragilidade.
A melancolia de sua solidão e de seu esquecimento é o
contraponto final da trajetória resgatada. Tão oposto ao da figura pública:
sólida e inflexível. Mas tão humana e frágil como qualquer outro mortal.
--
The Iron Lady
Phyllida Lloyd
Reino Unido/França, 2011
105 min.
Trailer
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