Das Lied in Mir
Florian Micoud Cossen
Alemanha/Argentina,
2010
94 min.
A forma muitas vezes contida com que os personagens de “O
Dia em Que Eu Não Nasci”, filme que
estreia nesta sexta (30), reagem a graves segredos revelados não condiz com
o peso dessas revelações. São segredos do passado, que trazem à tona esqueletos
em cova rasa e mudam todas as coisas. Nessa apatia do elenco, a exceção fica
com Estela (Beatriz Spelzini), que diante da sobrinha desaparecida há mais de
20 anos, se desdobra numa comovente reação, expressa no rosto e nas lágrimas com
delicado equilíbrio.
Da Alemanha, Maria (Jessica Schwars) está a caminho do
Chile. Enquanto aguarda um voo de conexão em Buenos Aires, ouve uma mulher
cantando, em espanhol, uma canção de ninar. Maria, que além de sua língua
nativa - o alemão - fala apenas inglês, reconhece a canção. Sabe a melodia e a
letra, ainda que não entenda o significado das palavras. Desconcertada, não
consegue conter o choro.
O inusitado acontecimento a faz perder sua conexão. Ao sair
do aeroporto para procurar um hotel, perde também o passaporte. Telefona para o
pai na Alemanha para explicar o contratempo e comenta sobre a canção. Dois dias
depois, sem avisar, ele aparece no hotel onde Maria está hospedada.
É entre coincidências e fatos inusitados que vai surgindo um
mistério na vida da personagem. Como explicar a familiaridade que ela, que
nunca esteve em Buenos Aires antes, sente com a cidade? Diante disso, Maria
pressiona seu pai, que reluta em explicar sua vinda súbita à cidade. Mas aos
poucos revelará para a filha a verdade sobre seu passado e a ligação que ela
tem com a cidade.
Com um bom argumento, o filme desdobra a verdade em camadas.
A cada tanto que se aprofunda nos fatos dolorosos do passado, mais a trama cria
uma situação complexa, em que Maria se vê diante de um dilema profundo, doído. Estão
em jogo afeto, moral, ética e sentimentos conflituosos.
Ao evocar as tragédias da ditadura argentina nos anos 70, o
filme registra a indignação e a resignação em porções distintas. Mas esse
trabalho é prejudicado pela narrativa burocrática. Acerta ao evitar o dramalhão
em que uma história como esta poderia desaguar. Mas ao conter demais as emoções
contém também parte da naturalidade dos personagens. Funciona, no entanto, com
um bom registro desconstrutivo da identidade de sua protagonista.
Ao caminhar de uma certeza sobre quem é para a incerteza de uma
identidade perdida, Maria faz caminho inverso ao natural. Recomeçar a construir
a si própria e redefinir sua identidade destroçada é o grande drama dessa
personagem. Uma riqueza temática que se dilui bastante no contido das atuações.
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