Vencedor
do César 2008 (o mais importante prêmio do cinema francês) nas categorias de
melhor filme e melhor direção, O Segredo
do Grão conta a história de Slimane Beiji (Habib Boufares) e de sua
família.
Ele
é um imigrante árabe radicado na França que, cansado de trabalhar em um
estaleiro, decide comprar um barco velho e montar um restaurante dentro. Sua
inexperiência no ramo e os recursos limitados para a empreitada vão aos poucos
fazendo do desejo de Slimane uma aventura humana, na qual se enredará sua
família e amigos.
Mas
Slimane, um homem introvertido e silencioso, será muito mais eixo do que lança.
Porque será em torno dele que irão se manifestar as tempestades de uma numerosa
e particionada família. É que, separado da primeira esposa, com quem
compartilha filhos, netos, genros e noras, Slimane vive com outra mulher e uma
enteada para quem ele é como um pai verdadeiro.
É
a partir dessa cordial, mas sempre tensa, rede de relações familiares que o
sonho do restaurante de Slimane despertará emoções de alegrias,
ressentimentos, amores e frustrações.
Para
dar vida e essa riqueza de conflitos, o diretor tunisiano Abdellatif Kechiche
escalou para o filme um elenco de atores amadores e os deixou livres para
improvisar. Tudo para evitar a artificialidade.
O
resultado é uma rara franqueza de realismo e naturalidade com que as cenas se
desdobram. Uma franqueza que pode ser notada na belíssima sequência do almoço
em família ou nas discussões dos problemas e pequenezas da intimidade familiar.
Há muito dessa franqueza até mesmo em uma estonteante e significativa cena de dança
do ventre.
É
desse sentimento cotidiano que se extrai a beleza mais pura de O Segredo do Grão. Especialmente no modo
como revela, mesmo dentro (e apesar) das pequenas intrigas pessoais, o amor
pelo pai e a dedicação a seu sonho.
Mas
Kechiche não se limita ao microcosmo familiar e faz de seus personagens a
ressonância cultural e étnica da França dos anos 2000. Problematiza a questão
da imigração árabe através de uma elaborada construção de sentimento de lugar e
de ser.
Assim,
nos faz imergir no seio de uma família árabe com suas tradições culturais e com
isso cria um sentimento de origem, de raiz cultural. Mas esse sentimento precisa
conviver com a nacionalidade francesa dos mais moços, já nascidos no país, e
também com a adaptação dos mais velhos, integrados ao país.
Surge
daí um sutil conflito que parece evocar em alguns o sentimento de não pertencer
ao país (ao lugar). São franceses, mas também são árabes e o lugar a que
pertencem parece uma indefinição incômoda que paira sobre suas identidades.
Toda
essa riqueza de questões e abordagens entre família, cultura e identidade converge,
por fim, no projeto pessoal de Slimane. É a dedicação de todos em torno desse
projeto e o esquecimento momentâneo das diferenças em função do pai e de seu
sonho que mais comovem e embelezam o filme.
Aqui,
o diretor não deposita no objeto do sonho um artificialismo dramático. O que há
é a grandiosa demanda da aventura humana. A vida em seu estado natural, sem
grandes assombros, mas com todo significado das simplicidades comezinhas.
Por
isso, a trama não se permite a obviedade de grandes reviravoltas, o que não
tira a tensão do filme, presente até mesmo no prosaico gesto de levar uma
panela ao fogo.
Nessa
construção, quando nos damos conta, já fazemos parte da família, já somos parte
do sonho de Slimane.
É
quando, a certa altura, todos os olhos se voltarão não apenas para Slimane, mas
para a jovem atriz Hafsia Herzi. Não sendo pouco o talento que ela exibe
durante todo o filme, protagoniza ainda, num momento chave da trama, uma
hipnotizante dança do ventre.
Revela-se
nesta sequência um tipo de erotismo raro de se ver no cinema. Uma singularidade
que nos arrasta para o desejo inevitável que guarda também uma certa pureza de
intenção e coragem do gesto.
O
desfecho de O Segredo do Grão é
súbito e pode, num primeiro momento, parecer destituído de sentido, como se
toda a riqueza de sua construção levasse para nada.
Mas
um olhar mais atento dos últimos gestos dos personagens revelará a amarração de
todas as pontas. São fechados os dramas de cada um, sem que isso represente
necessariamente um final, apenas a continuação da vida.
--
La Graine et le Mulet
Abdel Kechiche
França,
2008
151
min.
Trailer
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