domingo, maio 29, 2011

Breviário da Semana Nº 01

Um semanário muito breve.

Minhas Tardes com Margueritte

Dos filmes que entraram em cartaz nesse final de semana, só não vi Se Beber Não Case 2, mas pelo que tenho acompanhado dos amigos de crítica, não estou perdendo grande coisa, pois o filme não passaria de uma reedição das ótimas piadas do primeiro filme. E piada requentada é pior que café requentado. Se for mesmo isso, é uma pena que a continuação de uma das melhores comédias dos últimos anos tenha se acomodado da repetição e aberto mão da originalidade.

Um Novo Despertar
Minha mais forte recomendação vai para Estrada para Ythaca, do qual já falei aqui. Mas é cinema duro, passa longe de entretenimento. Mas para quem embarcar na viagem, será uma experiência incrível.

Algo mais palatável e que figura como minha segunda opção é a sensível comédia dramática Minhas Tardes com Margueritte. Gérard Depardieu interpreta com muita graça um homem de inteligência curta, que passou a infância sendo maltratado pela mãe e que adulto descobre o prazer da literatura em encontros com a doce Margueritte (interpretada por Gisèle Casadesus), uma senhora de 95 anos que vive em um asilo. Um filme sobre um tipo de raro de amor.

Um pouco atrás vem “Um Novo Despertar”, que trás Mel Gibson como um empresário que dribla uma profunda depressão através de um boneco de castor que dá voz a seu subconsciente. Dirigido por Jodie Foster, que interpreta a esposa do empresário, o filme, que se inicia como comédia, vai ganhando contornos dramáticos e sombrios à medida que o castor evoca o lado escuro da psique do empresário.

O Poder e a Lei
O Poder e a Lei”, sobre o qual já falei aqui, trás um advogado de porta de cadeia que tem seu escritório no banco de trás de um Lincoln. Com uma trama fraca e personagens mal delineados, fica como uma opção para quem não resiste a um filme de tribunal.

Por fim vem “Inversão”. O filme me decepcionou muito. É um suspense policial que mostra a inversão de personagens que passam de vítima a algozes, de ingênuos a desiludidos no transcorrer da trama. Com uma estética que serve de verniz a uma certa falta de conteúdo, o filme escorrega em diálogos frágeis difíceis de engolir e numa trama paralela que não ganha corpo justamente pela má construção dos personagens.



Em Cartaz


O que mais gosto ao ver esses filmes de adaptação de quadrinhos é lembrar que, antes de qualquer pretensão intelectual e aprofundada sobre cinema, sou um nerd. Com Thor não foi diferente. Esses filmes sempre despertam o garoto retraído leitor de HQs que fui no passado. O filme sobre o deus do trovão é bastante bom, embora a ação fique devendo um pouco. Por outro lado, as tramas palacianas, de reis e príncipes são interessantes. Equilibrando-se sempre no velho problema de agradar ao público leigo e ao fã de quadrinhos, cumpre bem seu papel. 


Não Me Abandone Jamais
Thor faz parte do projeto da Marvel de lançar filmes solos dos heróis que depois serão reunidos numa equipe em Os Vingadores. Um grandioso projeto que considero ousado e corajoso. Como fã de HQs, fico bastante entusiasmado com ele, embora abarque um grupo de super heróis do qual nunca fui muito chegado. Mas não há dúvida que é algo inédito e só se tornou viável a partir do boom de adaptações de HQs para o cinema, iniciada nos idos de 1989, com Batman – O Filme, de Tim Burton. Vamos ver no que vai dar isso.


Não deve mais estar em cartaz, pois fazia parte da sessão cult que a rede Cinemark promove, mantendo um filme sério em cartaz em uma única sala e único horário, por mais tempo que o habitual. Talvez uma pequena compensação pelo volume de lixo que entope suas salas de exibição. Não Me abandone Jamais, sobre o qual escrevi em detalhes aqui, é um filme excepcional. Conta a história de três jovens fadados a um destino comum terrível e a forma como se relacionam entre si, mesmo sabendo o que os espera. Um dos melhores filmes que vi esse ano.



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Entrevista: Gisele Itié, atriz de “Inversão”

Atriz conta sua experiência nas filmagens de Inversão


Depois de ganhar destaque por atuar no filme de ação “Os Mercenários”, ao lado do astro americano Sylvester Stallone, Gisele Itié está em cartaz com o filme nacional “Inversão”, do diretor Edu Felistoque, que entrou em cartaz na última sexta (27).

No filme, Gisele interpreta Mila, uma criminosa integrante de uma quadrilha que sequestra um importante empresário em São Paulo. Quando a ação não sai exatamente como planejada, precisam improvisar uma fuga de avião. Mas uma tempestade provoca a queda da aeronave e o grupo, junto com o sequestrado e perdido no meio da mata, passa a viver uma situação limite de tensão e paranoia.

Gisele conta que a experiência das filmagens no meio da floresta foi intensa, pois passavam os dias realmente acampados no meio do mato. Apesar das dificuldades, a atriz diz que gostou muito dessa experiência. “Eu adoro mergulhar no personagem. Como atriz, posso dizer que foi uma grande vivência”. Ela conta que sentiu, em determinado momento, certa preocupação do diretor e da equipe com ela, pelas circunstâncias a que estavam submetidos e por ela ser a única mulher daquele núcleo do elenco. Mas diz que encarou as dificuldades sem problemas e no final tudo correu bem.

Ela conta também que precisou, assim como todo o elenco, improvisar muitas falas e ações de sua personagem. Isso porque o diretor Edu Felistoque, na tentativa de obter cenas e interpretações que não soassem artificiais, não deixou que o elenco decorasse todas as falas do roteiro. Ele deixou que o elenco ficasse com o roteiro por apenas dez dias e depois os retirou deles. Gisele diz que não teve dificuldades com isso. “Você já está lá, no meio do mato, então só resta entrar no personagem e fazer da melhor maneira possível”.

A atriz revela também que foram gravadas muitas cenas ocultas. Em momentos de pausa do elenco o diretor permanecia gravando sem que eles soubessem, para captar o cansaço real de todos. “Muitas vezes a gente era pego de surpresa dentro do set”.

Outro fato pouco comum em filmagens e que contribuiu para a intensidade da experiência foi que as cenas na floresta foram filmadas em ordem cronológica. “Isso ajudou muito a vivenciar melhor minha personagem e a situação que ela estava passando”, afirma Gisele.

Sobre como foi trabalhar com o diretor, a atriz não economiza elogios. “O Edu, além de ser um ótimo diretor, é uma figura humana incrível. Ele ajuda muito a gente a encontrar a trilha certa para o personagem. Eu adorei trabalhar com ele e sou muito grata pela experiência. Foi muito bacana vivenciar cada momento”.
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sexta-feira, maio 27, 2011

Entrevista: Edu Felistoque fala de seu novo filme “Inversão”

Filme que estreia nesta sexta (27) fala sobre indistinção entre vítima e algoz.


“Você vai fazer um grande filme!”. Foi com essa afirmação profética que o diretor Edu Felistoque me recebeu ontem para uma entrevista durante a pré-estreia de seu mais novo filme, “Inversão”, que entra em cartaz hoje em São Paulo. Ao me apresentar para a entrevista, Felistoque olhou nos meus olhos muito sério e, antes que eu fizesse qualquer pergunta, perguntou: “Você já fez algum filme?”. Ao ouvir minha negativa, disparou a profecia. “Eu tenho essa percepção. Você ainda vai fazer um grande filme”.

Estávamos no saguão do Cinesesc e os convidados – amigos, equipe técnica e imprensa – começavam a encher o salão. Requisitado a todo momento para cumprimentos e elogios, se desculpa pelas interrupções, “Hoje eu estou vivendo um dia de noiva”. Edu é solícito e atencioso com todos. Abraça, beija, tira foto, agradece. Vendo que não seria possível continuar a entrevista com tantas interrupções, me pega pelo braço e diz determinado, “Vem para o banheiro comigo”. Dentro do banheiro, entre um e outro usuário desconfiado, me concedeu a entrevista.

Edu Felistoque é fotógrafo, produtor, roteirista e diretor. Com mais de 30 anos de carreira, já trabalhou em diversas produções. Foi produtor executivo do filme “400 contra 1 – Uma História do Crime Organizado”, de Caco Souza e dirigiu os longas “Soluços e Soluções”, de 2001, e “Trilhos Urbanos”, em 2007. Também é diretor da série policial “Bipolar”, exibida pelo Canal Brasil. Chega agora aos cinemas seu novo longa-metragem “Inversão”, um suspense policial que busca mostrar as inversões de papéis que muitas vezes ocorrem na sociedade e em situações limites.

O diretor conta que a ideia para o filme ocorreu alguns anos atrás, quando ouvia uma música de Nando Reis gravada pela Cássia Eller que dizia “o mundo está ao contrário e ninguém reparou”. Sentiu que havia uma grande verdade naquela frase. Nascido na zona leste de São Paulo, no bairro da Água Rasa, diz que desde jovem sempre achou as pessoas bem vestidas mais perigosas do que as pessoas mal vestidas. “Eu estou mais preocupado hoje como os homens de casaca, do que com os manos da rua”. Foi a partir dessa reflexão que surgiu o roteiro de “Inversão”, assinado por Felistoque em parceria com Maurício Fernandes.

Felistoque acredita que a imprensa tem dado muito mais atenção ao crime da periferia do que ao crime do colarinho branco. “Eu percebo que tem por aí uma coisa muito maior do que aquilo que a gente vê no telejornal”. Ele ressalta a desigualdade com que a justiça trata criminosos de diferentes classes sociais.


Cita, como exemplo, o caso do jornalista Pimenta Neves, réu confesso do assassinato da e ex-namorada a também jornalista Sandra Gomide e que permanecia em liberdade até dias atrás, onze anos após o crime. “Se fosse um garoto da periferia, que não teve a menor chance junto à sociedade, no ato ele vai pra cadeia. Isso se não for executado antes por policiais”.

Perguntado se “Inversão” pode ser considerado um filme político, responde imediatamente que sim e enfatiza: “A gente precisa chocar a sociedade. A classe média falida precisa tomar um choque elétrico”. Diz que embora seja uma ficção, o filme tem muito de documental, de histórias que realmente aconteceram. Por outro lado, Felistoque faz ressalvas quanto ao teor político do filme. Afirma que a narrativa tem duas camadas, por cima está o entretenimento, pois é preciso trazer público para o cinema, mas por baixo há a camada de reflexão da sociedade, da inversão de valores. “Eu quero que o cara venha, compre uma pipoca, assista ao filme, depois saia para jantar e discutir o filme. Para com esse negócio de vem, compra uma pipoca, dá uns beijos na namorada e vai embora sem pensar. Não cobro isso do público, mas acho que meu filme é pra isso.”

O diretor diz não se incomodar com opiniões negativas da crítica. Afirma que o primeiro crítico do filme é ele mesmo e por isso não vê porque reclamar da crítica, pois é isso gera debate e é de debate que ele gosta. Fala também de um caso curioso que ocorreu quando o filme foi exibido no Festival de Toronto, onde ganhou o prêmio de melhor trilha sonora. “Um desconhecido chega para mim e fala: ‘no seu filme, você coloca os bandidos no lugar certo’. Tremi. Depois tentei achar o cara e não consegui.”

Sobre as cenas gravadas no meio da mata, diz que elas são grande parte do que ele considera documental, não apenas na história, mas no registro das imagens. Conta que fechou com o elenco que iriam sofrer naquelas cenas e que todos estavam empenhados em fazer o filme e passar para a tela toda a verdade da situação. “Eu não queria uma Gisele Itié linda e maravilhosa, eu queria uma Gisele Itié sofrida”.

Quando perguntado sobre o próximo projeto, desconversa, mas depois de alguma insistência, entrega a dica. “Anota aí: ‘Photografia’ – com ph – ‘A Coisa de Maluco’. Com Daniel Oliveira e Daniela Escobar. É tudo que posso adiantar.” 

No final, retoma a questão política do filme e da sociedade. Diz que ao ver as chacinas, os tribunais de justiceiros que promovem execuções, sempre se pergunta se isso não é reflexo da sociedade que está cansada de esperar pela justiça lenta e ineficiente. E pergunta: ”Será que a sociedade, ao matar seus supostos algozes, não está agindo em legítima defesa?”. É dessa inversão que o filme também fala, finaliza o diretor.
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quinta-feira, maio 26, 2011

Estrada para Ythaca

Nesta sexta-feira, 27, entra em cartaz “Estrada para Ythaca”.


Está entre os filmes que mais me marcaram desde que passei a exercer a crítica de cinema.

Assisti pela primeira vez no CineSESC, dentro da programação do Festival de Cinema Latino Americano, e depois em uma exibição que aconteceu no Centro Cultural São Paulo.

Não é filme fácil, mas uma vez compreendida sua metáfora o filme alcança qualidades incríveis.

Um road movie metafísico, uma alegoria da passagem, da perda e da viagem como transformação e restauração das coisas.

Recomendo. Mas que se vá vê-lo com os olhos limpos do cinema comercial. É preciso tempo para o tempo do filme, é preciso embarcar na viagem dos quatro amigos. Se assim fizer, sairá recompensado da sessão. Terá vivenciado uma grande experiência.
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O Poder e a Lei



The Lincoln Lawyer
Brad Furman
EUA, 2011
118 min.

Mais um filme de advogado, investigação e tribunal. “O Poder e a Lei”, filme que estreia nesta sexta (27), tem um pouco de cada. Mas passa por cada um desses elementos de gênero sem nenhuma novidade e sem causar grande entusiasmo.

Mick Haller (Matthew McConaughey) é um advogado malandro que costuma defender criminosos de pequeno porte e que já teve até sua licença cassada. Como escritório, utiliza o banco de trás de um Lincoln, conduzido por seu motorista particular. Foi casado com uma promotora (Marisa Tomei), com quem tem uma filha. Normalmente detestado por alguns policiais por conseguir livrar notórios criminosos da cadeia, mantém com alguns desses policiais uma relação promíscua do ponto de vista ético.

A trama se arma quando Mick assume um caso de acusação de estupro e espancamento de uma prostituta por parte de um mimado herdeiro de família poderosa. Vê a oportunidade de faturar alto com o caso e é inicialmente convencido de que o rapaz é inocente e que foi vítima de um golpe da prostituta. Com o andamento das investigações e dos tramites legais, perceberá que o caso remete a um outro caso antigo, do qual ele até hoje tem dúvidas.

O personagem Mick Haller é um tipo sem grandes escrúpulos, que está preocupado apenas em ganhar o seu dinheiro, não importando de onde ele venha. Seu casamento definhou justamente pelo conflito entre os ideais de sua esposa e seu caráter duvidoso. Contudo, ao ver a possibilidade de corrigir um erro do passado, é subitamente atacado pelo desejo de justiça. O grande dilema do filme está no advogado antiético que subitamente se vê preso à ética da profissão e tem de livrar da prisão alguém que ele quer ver preso.

O roteiro, adaptado do livro de Michael Connelly, muitas vezes parece um remendo mal disfarçado. A trama é bastante frouxa, com alta dose de previsibilidade. Para completar, recorre ao pior dos recursos para o desenrolar da narrativa: uma absurda e improvável coincidência.

Outra falta grave do filme é colocar na trama personagens de certa maneira fundamentais para o desfecho e que entram e saem da história sem qualquer grande explicação.

Assim, sabemos que Haller tem uma secretária chamada Lorna (Pell James) que o ajuda em alguns momentos, mas não sabemos onde ela trabalha, que vínculos tem com ele. Ela simplesmente entra e sai de cena. O mesmo ocorre com a personagem Gloria (Katherine Moenning) a quem Haller ajuda e que serve somente como elo para a providencial coincidência que dará ao advogado o trunfo final da história.

Isso sem falar no subaproveitado motorista Earl (Laurence Mason), que num tipo de “Conduzindo Miss Daisy” leva o advogado de um lado para outro sem muita conversa.

Com a pegada de filme policial e de tribunal, mas sem as melhores qualidades de um ou de outro, "O Poder e a Lei" se enrola e desenrola sem surpresas ou reviravoltas surpreendentes. Um argumento interessante, mas que o filme aproveita muito mal.
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segunda-feira, maio 23, 2011

O Homem ao Lado



El Hombre de al Lado
Mariano Cohn e Gastón Duprat
Argentina, 2009
110 min.

“O Homem ao Lado”, filme argentino que entrou em cartaz em São Paulo na última sexta (20), é o que arrisco classificar como uma comédia sombria. Isso porque não se trata simplesmente de humor negro a forma como as situações se sucedem na trama, e também porque não creio que se deva recorrer ao cômodo rótulo da tragicomédia. Para um filme que se desenrola com tão inesperada tensão cômica - na qual o riso é quase um sintoma do desconforto ante um clima sutilmente tenso -, rotulá-lo simplesmente seria diminuir sua força como elemento crítico da sordidez, covardia e indistinção humana de classes sociais (ou classes intelectuais) que se julgam acima.

Leonardo (Rafael Spreguelburd) é um conceituado e premiado designer que vive com a esposa e a filha pré-adolescente em uma casa desenhada pelo famoso arquiteto suíço Le Corbusier. A casa, único trabalho do arquiteto na América Latina, costuma ser ponto de visitação de estudantes de arquitetura e interessados por arte em Buenos Aires. A paz de Leonardo começa a se desintegrar quando seu vizinho Victor (Daniel Aráoz) resolve fazer uma janela de frente para uma das janelas de sua casa.

Indignado com a falta de privacidade (e também de “bom gosto”) que uma janela naquela posição causará para si e sua família, Leonardo irá pedir a Victor que pare a obra. Victor argumenta que precisa apenas de um pouco de luz solar para iluminar sua casa e tenta convencer Leonardo amigavelmente. Entre avanços e recuos na negociação da questão, os contrastes entre o sofisticado e refinado Leonardo e o cafona e “amalandrado” Victor revelarão o conflito subjetivo que há entre eles, que vai além de uma janela. Um conflito que guarda mais do que uma pendenga entre vizinhos, mas também um sentimento de repulsa e anacronismo.

Anacronismo é a melhor maneira de definir o modo de vida de Leonardo e a distinção entre ele e seu vizinho. Não se trata apenas de uma distinção social ou de sofisticação, mas principalmente da fraqueza e do aquartelamento de Leonardo em sua casa e em seu mundo. Esse anacronismo se apresenta na relação fria, porém catártica, de Leonardo com a casa. Ao morar dentro do que pode ser considerado uma obra de arte, o designer sofre um enclausuramento de si mesmo e de sua visão do mundo, da vida e até de sua família. Em especial da filha, que não esconde o profundo desprezo pelos pais.

Leonardo é acima de tudo um fraco. A casa onde vive subjetiva sua personalidade. O filme se mostra muito competente ao estabelecer essa relação de forma sutil, acentuando o anacronismo da vida de Leonardo através do modo como o filma. É pelas angulações inusitadas da casa que o vemos quebradiço, obliquado por linhas, móveis, corredores, rampas e esquinas. Uma composição de imagens que o esquarteja e o observa na sua incompletude. E tudo isso se acentua a partir do tormento que as reformas na casa do vizinho causam na vida do personagem.

São esses elementos cênicos, essa espécie de encarceramento voluntário, que esconde, de forma mal dissimulada, a impotência e a fraqueza de Leonardo.

A janela “invadindo” sua casa seria uma exposição dessa fraqueza. Uma fraqueza e impotência que ele compensa com seu estilo de vida pedante, na arrogância com que trata os jovens estudantes que o procuram e no desprezo que sente pelo vizinho.

No outro extremo, Victor se mostra como o “bom selvagem”, que transmite uma agressividade cordial de apaziguamento e conciliação, apesar do modo irredutível com que Leonardo aborda a questão da janela. Sua personalidade é quase que oposta a de seu vizinho, exibindo um gosto duvidoso na forma como decora sua van, em como se veste e fala. Mas, apesar de uma cordialidade insistente, de seu desejo em estabelecer uma “boa vizinhança”, sempre resta uma ambivalência na sua entonação, no seu olhar e nunca ficam claras suas reais intenções.

Diante do impasse que não se soluciona, Leonardo passa a se sentir arruinado, com sua vida completamente desestruturada, apenas porque não sabe como lidar com a figura obsequiosa, permissiva e diferente do vizinho. Já Victor insiste em contornar a situação amistosamente e tenta se aproximar de Leonardo, oferecendo repetidas vezes laços amigáveis e cordiais que são sempre rejeitados pelo outro.

Apesar de toda comicidade da trama, “O Homem ao Lado” se revela uma crítica contundente e pessimista a uma elite despreparada para a convivência social por estar permanentemente encerrada num anacronismo pedante e vazio; sempre cercada dos mesmos acólitos destituídos de qualquer pensamento crítico e que servem apenas como legitimadores dissimulados de uma inexistente relevância social ou artística. Não fazem parte do mundo real, apenas de seus pequenos mundos.

No final, toda a massa agônica que invadiu a vida “perfeita” de Leonardo e a transformou numa sucessão de dissabores e constrangimentos, revelará não apenas sua fraqueza, impotência e covardia, mas acima de tudo a sordidez de seu caráter anacrônico. Com um desenlace que choca o ser humano que há em cada espectador, o filme se conclui numa tragédia que aterroriza e dilui a possibilidade do humano e do humanitário, destruída pela inércia monstruosa dos personagens. E tudo apenas para que não se abra uma simples janela.
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domingo, maio 22, 2011

Cinema, Psicanálise e América Latina na Cinemateca

Ciclo de filmes examina e debate o imaginário latino americano através do cinema.


Mesmo que sua praia seja só o bom cinema e não a psicanálise, vale a pena conferir a programação do Ciclo de Cinema e Psicanálise América Latina sem Fronteiras, que acontece de 22 de maio a 16 de outubro na Cinemateca Brasileira.

São sessões de filmes que abordam temas preponderantes e do imaginário latino americano, seguidas de debates com autoridades acadêmicas, jornalistas, historiadores, pesquisadores, cineastas, escritores e psicanalistas.

Na programação estão obras instigantes como “Queimada!”, de Gilo Pontecorvo, “33”, de Kiko Goifman, “O Abraço Partido”, de Daniel Burman, “Cinema, Aspirinas e Urubus”, de Marcelo Gomes, entre outros.

As sessões acontecem sempre aos domingos, às 18:00h. Os ingressos custam R$ 8,00 (R$ 4,00 meia entrada).

Serviço:
Cinemateca Brasileira
Largo Senador Raul Cardoso, 207 – Vila Mariana
Tel:  (11) 3512-6111 (ramal 215)
Outras informações, acesse: www.cinemateca.gov.br

sábado, maio 21, 2011

Os Agentes do Destino



The Adjustment Bureau
George Nolfi
EUA, 2011
106 min.

O que mais falta em “Os Agentes do Destino”, filme que ainda se encontra em exibição em São Paulo, é pressão. Por mais que tente, o filme simplesmente não pega pressão. Nem o argumento imaginativo, nem o ritmo de thriller, nem o romance dos protagonistas; nada disso é suficiente para que filme apanhe o espectador. O resultado disso é uma narrativa frouxa e um casal sem química.

David Norris (Matt Damon) é um jovem e promissor político. Às vésperas de uma eleição para o senado, liderando com folga as pesquisas, seu gênio impulsivo o leva a cometer um ato de irresponsabilidade que o faz perder as eleições. No dia da derrota conhece Elise (Emily Blunt), uma talentosa bailarina que atua em uma pequena companhia de dança da cidade. Sentem-se fortemente atraídos um pelo outro, mas uma série de eventos parece querer impedir que fiquem juntos.

“Os Agentes do Destino” é mais uma adaptação da obra de Philip K. Dick, escritor de ficção científica que já teve suas histórias levadas para o cinema diversas vezes, como nos filmes “O Vingador do Futuro”, “Blade Runner – O Caçador de Androides” e “Minority Report – A Nova Lei”.

Menos futurista que a maioria das histórias do autor, o filme revela um certo tipo de agentes que interferem no rumo da vida das pessoas para mantê-las no caminho certo de um plano maior, traçado para cada uma delas. Não ficando claro se são anjos e se o tal “presidente” a quem se reportam seja Deus, esses agentes encontram em David uma especial dificuldade em mantê-lo no caminho que foi planejado para ele.

Argumento interessante, condução da trama nem tanto. O único ponto de contato entre o desenvolvimento da ação e espectador está justamente na teimosia de David em se sujeitar a esse “destino”. Afinal, todo mundo já deve saber como é o desejo de não obedecer a normas que você não entende para que existem. É essa rebeldia de David que nos cativa num primeiro momento. Sua impulsividade e desobediência é o ponto alto do filme, quando mais nos identificamos.

Contudo, a trama não se retesa a contento no seu desenrolar. Seguindo entre o romance e a fuga para escapar desses agentes – e do “destino” -, o filme perde força e caminha para um desfecho fraco, sem grande emoção. Matt Damon e Emily Blunt não convencem como apaixonados e suas atuações são bastante frágeis.

Dessa forma, “Os Agentes do Destino” acaba por ser um filme mediano, que desperta pouco interesse e serve apenas como entretenimento raso para uma futura “Sessão da Tarde”. Na ausência de coisa melhor para fazer, ou ver, vale como passatempo morno.
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quinta-feira, maio 19, 2011

Santa Paciência



The Infidel
Josh Appignanesi
Reino Unido, 2010
105 min.

A comédia britânica “Santa Paciência”, que estreia nesta sexta (20), lida com os conceitos de crise de identidade através de um inusitado e criativo argumento. É a partir desse argumento que o protagonista irá se debater com questões atuais como islamofobia, antissemitismo e o princípio de pertencimento, que desde os primórdios da História norteia o caráter a ética e a cultura do indivíduo. Parte da graça do filme está justamente em lidar com questões tão atuais quanto ancestrais.

Mahmud é o chefe de uma família de mulçumanos que vivem no subúrbio de Londres. Pacifista e laico nos assuntos do Corão (livro sagrado do Islamismo), o patriarca e sua família cultivam a cultura ocidental sem problemas, convivendo com vizinhos e amigos muito mais ortodoxos que eles. Os problemas começam quando o filho mais velho quer se casar com sua grande paixão Uzma (Soraya Radford). O obstáculo é que a mãe de Uzma, após enviuvar, casa-se com um fervoroso ativista islâmico que só cederá a mão da enteada se a família do noivo provar ser “islâmica o suficiente” para merecê-la.

Disposto a se esforçar para parecer “mais islâmico”, Mahmud sofre um forte baque quando, ao revirar velhos documentos de sua falecida mãe, descobre que foi adotado. Ao investigar suas origens, descobre que seus pais biológicos eram judeus. Com a descoberta, passa a sofrer de uma profunda crise de identidade.

Apesar do filme partir de um estopim inteligente e inusitado e de ter momentos divertidos, não escapa a certos maneirismos fáceis. O principal deles está em extrair humor de estereótipos quando poderia explorar situações mais bem elaboradas. Mas não há dúvida que o tipo de humor fácil (e sempre no limite do gosto duvidoso ou não) que o filme abraça é muito mais vendável e digerível pelo grande público.

Não chegando a ser uma grande comédia, “Santa Paciência” consegue fazer rir com algumas sacadas ótimas. Ao se desenrolar em situações limites de identidade não deixa de cair, como esperado, na mensagem humanista de igualdade e paz. Mesmo andando muitas vezes no limite do besteirol, acaba sendo uma boa comédia. Talvez nem tanto pela capacidade de ser engraçado, mas pela abordagem divertida de questões tão sérias de nosso tempo.

Quando certas coisas se tornam sérias demais no mundo, só o humor é capaz de nos salvar do patético ao nos revelar o absurdo em que nos afundamos. E essa função "Santa Paciência" cumpre até com certa coragem e ousadia.
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segunda-feira, maio 16, 2011

Reencontrando a Felicidade



Rabbit Hole
John Cameron Mitchell
EUA, 2010
91 min.

A construção da dor dos personagens de “Reencontrando a Felicidade”, filme que está em cartaz em São Paulo, não passa pela melancolia silenciosa, pelo isolamento depressivo ou pela tristeza aguda. Na elaboração do sentimento de perda, o filme evita as armadilhas e clichês que poderiam transformar a história em uma profunda e depressiva experiência.

Em vez disso, opta pela iluminação de um subúrbio bucólico e pela mobilidade constante dos personagens. Tudo se oculta - e ao mesmo tempo transparece - nos gestos que buscam disfarçar, dentro de uma normalidade forçada, o que realmente sentem.

Becca (Nicole Kidman) e Howie (Aaron Eckhart) perderam o filho de 4 anos, atropelado em frente de casa. Oito meses após a tragédia, tentam levar a vida adiante, buscando a superação da dor. É na rotina de casal comum que o sentimento de perda se revela aos poucos, escondido no cotidiano, no esforço de cada um em encontrar seu lugar dentro de uma relação tão abalada pela tragédia.

Acontece, porém, que esse cotidiano é frequentemente pontuado pela lembrança, pela presença da tragédia na vida desse casal. Com isso, a normalidade dissimulada só ressalta a estranheza com que habitam o espaço da casa, a estranheza de uma relação em que a intimidade se torna uma máscara mal colocada. Gradualmente, a evidência de que as coisas não estão bem - nem parece que irão ficar um dia - faz com que mágoas, acusações e feridas venham à tona.

Em meio ao desnorteio do qual parecem incapazes de sair, surgem elementos externos complicadores. A irmã de Becca que engravida, a mãe que por ter sofrido trauma semelhante insiste em dar conselhos, o ensaio de uma aventura extraconjugal, encontros inusitados e desconcertantes com o motorista envolvido no acidente.

Com essas situações, o filme explora uma ampla gama de complexidade no lido com o trauma e nas formas de fugir dele. Uma fuga que pode vir da memória ou da articulação de um entendimento do sentido da vida diante de tragédias tão dolorosas. Ou a simples recusa de tudo.

Cena chave para que se inicie esse processo de complicação, é quando Becca irrompe subitamente. Durante uma sessão de grupo de apoio para pais que sofreram perdas parecidas, ela não suporta ouvir mais uma vez de um casal que Deus levou seu filho porque precisava de mais um anjo. Com uma secura amarga de desengano diante dos desígnios divinos, Becca pergunta: “Por quê? Por que Ele simplesmente não criou mais um anjo? Afinal, Ele é Deus, não?”.

Em um tipo de drama subterrâneo que emerge devagar, as mágoas vão aflorando e as explosões acontecendo. Vítima de uma dessas explosões, Dianne Wiest, que interpreta de forma tocante e sensível a mãe de Becca, exercerá um papel fundamental no apaziguamento da filha. Mas não sem que antes se ressintam mutuamente, revolvendo feridas que nunca cessam de doer.

“Reencontrando a Felicidade” é um filme no qual os personagens parecem tatear, buscando um encaixe que os recoloque no eixo de suas vidas, um eixo a partir do qual possam seguir adiante e esquecer a dor e a ausência. Mas descobrirão com o tempo e com a experiência que essa dor não é algo para esquecerem ou consumirem. Ela não termina. Diante disso, a paz que procuram é algo que deve ser permanentemente construído. Devagar e de mãos entrelaçadas. É isso que faz desse drama familiar uma bela história de busca pelo reencontro da felicidade.

Texto publicado originalmente no portal Guia da Semana
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domingo, maio 15, 2011

Mostra Hitchcock em São Paulo e no Rio

Centro Cultural Banco do Brasil e Cinesesc promovem mostra Hitchcock com curso sobre o diretor.


Em São Paulo, vai de 15 de junho a 24 de julho no CCBB-SP (Centro Cultural Banco do Brasil) e de 08 a 17 de julho no Cinesesc. No Rio de Janeiro vai de 1 a 14 de julho no CCBB-RJ. Em ambas cidades será ministrado um curso sobre o cineasta. Para o curso do Rio as inscrições estão abertas desde o dia 07 de maio e seguem até o dia 31. Para o curso em São Paulo, as inscrições começam hoje e vão até o dia 8 de junho.

Se em 2010 a mostra John Ford foi o acontecimento mais significativo do cinema aqui em São Paulo, neste ano a mostra Hitchcock deve ter a mesma importância.

Para maiores informações, acesse: http://www.mostrahitchcock.com.br/

sexta-feira, maio 13, 2011

Caminho da Liberdade



The Way Back
Peter Weir
EUA, 2010
133 min.


Embora retrate uma extraordinária jornada de homens determinados a alcançarem sua liberdade, “Caminho da Liberdade”, que estreia nos cinemas nesta sexta (13), demora a engrenar. E isso acontece justamente por começar rápido demais. Para um filme que tem nas mãos uma história de dimensões épicas, o pecado da pressa pode ser indesculpável.

Inspirado em uma história real,  o filme retrata a fuga de um grupo de homens de um gulag (prisão de trabalhos forçados da antiga União Soviética durante o regime totalitário de Stalin) na Sibéria. Mais do que fugir de uma das regiões mais inóspitas do planeta, o feito dos que sobreviveram foi chegar até a Índia, em uma caminhada de quase 6.500km.

O grupo é liderado por Janusz (Jim Sturgess, de “Across the Universe”), um polonês delatado pela esposa, que, sob tortura, foi obrigada a acusá-lo de espionagem. Ao chegar na prisão, ele conhece Valka (Colin Farrell, de “Miami Vice”), um temido ladrão e assassino russo que faz parte da mais temida gang dentro da prisão. Conhece também Smith (Ed Harris, de “As Horas”) um engenheiro americano que trabalhava no metro de Moscou. Junto com outros prisioneiros, planejam uma fuga considerada quase impossível.

No caso de um gulag, a impossibilidade da fuga não está restrita aos muros ou cercas de arame farpado de seu em torno. Mas na natureza que o cerca, com temperaturas muitos décimos abaixo de zero, a falta de comida e abrigo. Por outro lado, permanecer nessas prisões não era garantia de cumprir a pena com vida. Famosas por uma desumanidade comparável aos campos de concentração nazistas, os trabalhos forçados, a ração escassa, a violência entre os presos e o frio intenso faziam com que muitos morressem antes de cumprirem suas condenações.

Dirigido por Peter Weir (de “O Show de Truman” e “Sociedade dos Poetas Mortos”), “Caminho da Liberdade” é um filme displicente em sua primeira metade. É como se o filme, ansioso por adentrar logo nas grandiosas cenas de paisagens magníficas, se apressasse em amarrar as relações e motivações dos personagens, abrindo mão de construí-los com maior densidade e credibilidade.

Perde-se, assim, a chance de fazer com que o expectador crie vínculos com os dramas pessoais de cada um, ou mesmo sinta raiva e desprezo por outros. Essa desvinculação prejudica gravemente o restante da narrativa. Sem os laços necessários à empatia e à identificação, sobra apenas o grandioso da jornada, as estupendas paisagens e momentos dramáticos que, mesmo bons, se apresentam despontecializados de sua força plena.

Mesmo com essa falha estrutural, o drama intenso da caminhada que se apresenta na segunda parte comove e aflige. Nesse sentido, o filme cresce e transmite com uma boa dose de dor, sofrimento, penúria e baixas o tamanho do esforço e sacrifício daqueles homens em busca de uma liberdade tão distante geograficamente.

Nesse ponto, o diretor se mostra competente em colocar a paisagem não como um personagem do filme (o que seria um clichê), mas como um permanente desafio. De forma inevitável, será a transposição dos obstáculos da natureza, através de florestas escuras, frio congelante, desertos áridos, comida escassa e morte iminente, o que fará de cada um dos sobreviventes uma pessoa diferente. De maneira épica, clássica e previsível, é a jornada que transforma.

Com uma fotografia de encher os olhos, “Caminho da Liberdade” termina por ser uma boa experiência de cinema. Apesar de se afrouxar na emoção por conta de equívocos, consegue deixar bem marcada a grande superação de seus personagens e a dureza de sua sobrevivência. E feitos como o desses homens merece sempre respeito e admiração.
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terça-feira, maio 10, 2011

Bollywood Dream: O Sonho Bollywoodiano



Bollywood Dream: O Sonho Bollywoodiano
Beatriz Seigner
Brasil/EUA/Índia, 2010
83 min.

Quando três amigas brasileiras chegam à Índia, um oficial da alfândega lhes pergunta, em inglês, o que foram fazer no país. Uma delas responde, em português, que é uma atriz desempregada, que tem um filho, que lá eles realizam mais de 800 filmes por ano e ela quer trabalhar nesses filmes. Ao traduzir para o oficial o que a amiga acabou de dizer, uma delas resume: viemos para uma jornada espiritual.

Essa é a chave para contextualizar o filme como uma alegoria do sonho que outrora teve seu estereótipo em jovens atrizes deslumbradas do mundo inteiro que chegaram à Los Angeles, na Califórnia, em busca do sonho hollywoodiano. Mas, diferente do glamour e sofisticação do “american dream”, o que esse novo sonho trás, além da destituição previsível de todas as ilusões – e nisso em nada difere do outro -, é a realidade do estranhamento de uma cultura exótica, de um país muito pobre, de um choque cultural muito maior.

Como o próprio título insinua, o filme promete-se uma distopia alegórica dos novos tempos para o cinema e o sonho encantado do glamour, outrora personificado pelos olhos claros, pele branca e ruas limpas de uma América encantada. Massa crítica das mais promissoras, o filme dilui-se de forma decepcionante no desenrolar da trama, mais preocupado com a jornada de transformação e conscientização da realidade (e morte do sonho) das três amigas. Nenhum problema nisso, desde que a realização saísse com um mínimo de qualidade e coesão. Não é o que acontece.

O ritmo é de pouca continuidade e em nada contribui para a construção de qualquer substância. A câmera e a luz remetem ao documental direto, mas não se assentam entre a ficção e o documentário. A narrativa é frouxa, parece querer ensaiar um processo de transformação ou admissão da realidade pelos personagens, mas isso não se contempla na tela. O desfecho, por fim, muito pouco deixa de experiência ao expectador. “Bollywood Dream” parece um filme tão sem rumo quanto suas personagens.

Completa essa sensação a quase ausência de profundidade das três amigas. O pouco que se sabe de cada uma delas surge de seus telefonemas aos familiares, nos quais são revelados alguns conflitos. Muito pouco, no entanto, para a construção ou convencimento empático. Com dimensões rasas, em quase nada se distinguem entre si. Desnecessário descrevê-las, equivaleria e repetir três vezes a mesma coisa. De nada, também, contribui suas atuações. Oscilando entre a insegurança e o despreparo, arriscam improvisos que soam artificiais.

Dessa forma, Sofia (Nataly Cabanas), Luna (Lorena Lobato) e Ana (Paula Braun) apenas transitam pelo filme, emitem pistas soltas de suas motivações íntimas e culminam suas frustrações numa cena patética, improvável e inconsistente. “Bollywood Dream” é um grande sonífero, realizado de forma precária, sem alcançar sua aparente intenção. Parte de uma alegoria inteligente e interessante para desaguar num decepcionante esvaziamento de conteúdo.
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