sábado, outubro 12, 2013

Searching for Sugar Man

Searching for Sugar Man é o tipo de filme que desafia quem se atreve a escrever sobre ele. Ao menos para quem se preocupa em fazê-lo sem entregar as muitas surpresas que a história guarda. Por isso, escrever sobre este filme é redigir sobre campo minado. Mas como escrever é preciso...

Cidade de Detroid, EUA, idos de 1968. Um tal de Rodriguez grava um álbum com composições suas, chamado "Cold Fact". De acordo com diversos produtores importantes que viram esse álbum ser feito e conheceram Rodriguez pessoalmente, a promessa de seu talento e as letras de suas músicas era algo que ultrapassava a dimensão de Bob Dylan.

Porém, segundo o produtor do álbum, “Cold Fact” não vendeu mais do que um punhado de cópias nos EUA. Depois, um segundo álbum fracassado: “Coming From Realitty”.

Então, como manda o manual das histórias ocultas do lado B da música, o misterioso Rodriguez, que ninguém sabia onde vivia nem conhecia muito intimamente, se matou durante um show ao vivo em um bar decadente. Entrava, assim, para as brumas das lendas dos músicos obscuros: uns diziam que ateara fogo ao próprio corpo, outros, que disparara um tiro na cabeça.

Enquanto isso, na África do Sul, nos anos 70, sem que se saiba até hoje ao certo como, o primeiro álbum de Rodriguez entrou no país. Canções como Sugar Man e I Wonder subitamente revelaram para uma geração de jovens brancos, que vivia sob duro regime de censura e segregação racial, que era possível se rebelar. Como diz um dos entrevistados do documentário: "Para muitos de nós, foi a trilha sonora de nossas vidas".

Estima-se que “Cold Fact” tenha vendido mais de meio milhão de cópias no país.

Este é só o princípio de uma história incrível que o diretor sueco Malik Bendjelloul vai descobrir ao sair em busca de pistas sobre quem foi quem foi Sixto Rodriguez e porque sua música incendiou uma geração do outro lado do oceano e passou inteiramente despercebida no país de origem.

Entretanto, mais que as surpresas que o filme reserva, seu maior mérito é saber trabalhar cada etapa da "elucidação" dos fatos de forma a construir uma apurada dimensão do improvável. O tipo de improvável que, se fosse ficção, seria má ficção. Mas sendo tudo realidade, torna-se o melhor da realidade.

A costura que dá forma a essa dimensão é composta e trançada pelas canções de Rodriguez. Sobre elas dosam-se animações que captam sua essência melancólica, amarradas por imagens de arquivo, fotografias antigas, depoimentos entusiasmados e incisivos. Tudo sustentado por belíssimos travellings que descortinam uma Detroit dura e gélida, ambiente e personificação do mistério que se persegue.

Assim, a montagem é a grande lapidação de Searching for Sugar Man. Justamente porque a história em si, por mais extraordinária que seja, não teria o mesmo impacto se não fosse contada de forma tão bem costurada.

Mas além da aventura excepcional e da forma brilhante como é contada, o que pesa decisivamente para que Searching for Sugar Man seja um filme memorável é seu caráter humano.

Há na sua história e na sua essência uma comovente experiência de vida real, uma força da natureza que emociona profundamente ao construir em sua narrativa o extraordinário que habita insuspeitado cotidiano. Mito, lenda e história se somam para dar dimensão à vida, numa amplitude rara, absolutamente improvável e profundamente marcante.
--
Searching for Sugar Man
Malik Bendjelloul
Suécia/Reino Unido/EUA, 2012
86 min.

Trailer

terça-feira, outubro 01, 2013

Obsessão





Por mais óbvio que seja, nunca é demais repetir que literatura e cinema são linguagens diferentes. Por esse motivo, a transposição de um para o outro, as chamadas adaptações para o cinema, como o próprio nome diz exige... adaptação. É aí que mora o perigo, já que a fidelidade ao original nem sempre funciona na tela.

Obsessão é a transposição para o cinema do livro “Paperboy”, de Pete Dexter (trad. Ivar Panazzolo Junior, ed. Novo Conceito, 336 págs. R$29,90). A direção é de Lee Daniels, nome que ganhou destaque em 2010 ao dirigir Preciosa – Uma História de Esperança e concorrer a seis Oscars, incluindo o de melhor filme e melhor direção (levou dois: melhor atriz coadjuvante para Mo’Nique e melhor roteiro adaptado).

Para esta adaptação, Daniels reuniu um elenco de rostos conhecidos. Matthew McConaughey interpreta Ward, um jornalista que nos anos 60 retorna à cidade natal na Flórida para investigar um julgamento que resultou em uma condenação à pena de morte para Hillary Van Wetter, interpretado por John Cusack.

Para tentar provar que o julgamento não foi justo, Ward conta com a ajuda de Charlotte Bless, uma mulher vulgar que se corresponde com presidiários e se apaixona por Wetter. Interpretada por Nicole Kidman, ela despertará o desejo e a paixão do irmão caçula do jornalista, Jack, vivido por Zac Efron.

Ao final de Obsessão, não é preciso ter qualquer informação prévia sobre a fonte da história para deduzir que se trata de uma adaptação literária. A transposição da história para o cinema é tão falha que revela na sua própria estrutura e má funcionalidade o ruído entre uma linguagem em outra.

Da ambientação aos personagens, passando pelas situações vividas por todos e pelas diversas questões que o filme pincela (preconceito racial, direitos civis, moralidade e inocência), tudo está montado e amarrado como um livro, não como um filme. Não há uma fruição, mas solavancos que denunciam capítulos condensados, enfileirados e filmados.

Mais do que perder-se na tradução (risco inevitável em qualquer adaptação), Obsessão não se esforça em transformar uma coisa em outra. Seu roteiro não busca uma linguagem que amarre e faça fluir a história com naturalidade, deixando transparecer uma resistência em cortar, em condensar.

Não que os 107 minutos de duração sejam prolixos, eles são apenas mal aproveitados ao tentarem espremer o que poderia ser cortado e substituído por um olhar mais próximo dos personagens e suas motivações. Isso porque quase todos os personagens da trama têm um visível potencial dramático que o filme simplesmente desperdiça com a superficialidade.

Também não colaboram para melhorar o resultado as atuações que se vê na tela. Elas vão de um Zac Efron sem atributos dramáticos, passam por um Matthew McConaughey no piloto automático, revelam uma Nicole Kidman irregular para finalmente chegar ao ápice de um John Cusack várias notas acima do tom.

Entre cenas constrangedoramente ruins e algumas boas promessas nunca concretizadas narrativamente, Obsessão é um filme que se mostra preguiçoso como adaptação, ineficiente como thriller e frágil como arco dramático.
--
The Paperboy
Lee Daniels
EUA, 2012
107 min.


Trailer

 

Eu, Cinema Copyright © 2011 -- Powered by Blogger