Mais do que fonte de prazer carnal, o corpo da
mulher pode ser um templo de veneração e devoção. Em parte, é sobre este
princípio que se constrói o erotismo poético do clássico da literatura japonesa
A Casa das Belas Adormecidas, de
Yasunari Kawabata, publicado em 1961. E é o mesmo princípio que está implícito
na afirmação de que a vagina é um templo, feita no filme Beleza Adormecida, que estreia nesta sexta-feira (30).
No livro de Kawabata, senhores ricos e poderosos pagavam
pequenas fortunas para passar a noite ao lado de jovens adormecidas nuas. Com
as jovens virgens dormindo profundamente sob o efeito de narcóticos, eles
podiam tocá-las, mas nunca penetrá-las. É dessa mesma forma que as coisas se
dão no filme de estreia da escritora australiana Julia Leigh.
Leigh bebe na fonte do livro de Kawabata, mas inverte o foco
narrativo. Se no livro japonês a história é vista sob a perspectiva de um sexagenário
frequentador da casa, em Beleza
Adormecida acompanhamos o dia-a-dia de Lucy (Emily Browning, de Sucker Punch), uma das garotas
adormecidas. Em ambas histórias, a tristeza e o vazio existencial é explorado
sob a pincelada da beleza poética da nudez e a fragilidade do sono – e toda uma
gama de onirismos derivados dessa combinação.
Lucy é uma estudante universitária que se equilibra em dois
empregos, além da prostituição, para pagar suas contas. Solitária, sua única
relação afetiva é com um misterioso sujeito, aparentemente depressivo e
carente, que ela visita regularmente. Um dia ela responde a um anúncio de
jornal para um trabalho inusitado. Na entrevista, descobre que tudo que terá de
fazer é servir à mesa em jantares privados vestindo somente lingerie. Contudo, logo
será cooptada para atuar como bela adormecida, trabalho que aceitará por estar
precisando de dinheiro.
Em sua composição, Beleza
Adormecida quer ser algo provocativo, fazendo de sua narrativa uma
experiência de beleza triste, de vazio existencial. No seu desejo de ser cult, o filme deixa, propositalmente,
grandes lacunas na construção da protagonista e de suas relações pessoais. Não
entrega sua história, apenas dá algumas pistas. O recurso é sempre válido na
construção elíptica de personagens desajustados e misteriosos, mas aqui peca
pelo excesso.
As lacunas prejudicam muito o filme, não apenas por anular
qualquer empatia com a personagem, mas também por transformá-la em algo
indefinido, sem muita substância. Esta pretensão de mistério e enigma que o
filme carrega na sua estilística acaba se transformando numa armadilha para ele
mesmo. A má dosagem desses recursos, a omissão de dados que poderiam ao menos
serem melhor insinuados, esteriliza grande parte da trama e de sua
protagonista.
Resta ao filme a beleza de suas imagens. Sua direção de arte
é equilibrada, tem apuro, e sua composição chega muito próximo de um efeito contemplativo
perturbador. Porém, ao se perder nas elipses estilísticas do roteiro, o filme torna-se
o vazio de si mesmo. É como deveriam ser os personagens e seus sentimentos, não
a narrativa. Fica-se a impressão de um exercício desconexo, desatrelado de
qualquer possibilidade insinuada, redundante na sua concepção visual como um
fim em si mesmo.
--
Sleeping Beauty
Julia Leigh
Austrália, 2011
104 mn.
Assista ao
trailer


























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