Drive é um filme que
nos adere em sua textura, feita de uma mistura que equilibra certa intensidade
serena com uma irreversível força de violência. A composição dessa textura se
monta através da trilha sonora que cadencia a ação, dos diálogos rarefeitos que
pontuam o silêncio, das cenas de perseguição que retesam ainda mais o fio
narrativo – desde sempre tenso; da violência brutal que explode na tela com a
força daquilo que se rompe de repente.
Revestindo e conectando estas camadas está uma fotografia
crepuscular, ensaio de atmosfera noir,
mas sem os óbvios contrastes de sombras. E também uma montagem afinada, que conduz
a narrativa em crescente tensão. O resultado é uma mistura indefinida entre o
filme de ação – visceral e franco, como foi em seu tempo Operação França (1971) – e algo mais sutil, um tipo de beleza
imperfeita, sedutora e magnética, mas de claro prenúncio trágico.
Ryan Gosling é o protagonista sem nome, conhecido apenas
como Motorista. Trabalha em uma oficina mecânica, atua como piloto dublê em
filmes de ação e à noite oferece seus serviços como piloto de fuga para
assaltantes. Calado e distante, tem sua frieza quebrada quando conhece Irene (Carey
Mulligan), sua vizinha de apartamento. Ela trabalha como garçonete e tem um filho
de 6 anos, cujo pai está cumprindo pena na prisão.
A sequência de abertura de Drive é matadora. É o prólogo que apresenta esse Motorista em seu
trabalho noturno. Uma fuga brilhante, recheada de suspense e tensão, conduzida
com uma frieza implacável.
A omissão do nome do personagem de Gosling o insere na
mítica do forasteiro errante, como o Shane, de Os Brutos Também Amam (1953). Poucas palavras, um palito na boca,
um carisma esquivo. É o sujeito solitário, sem origem e sem destino, que se
descobre, de repente, pronto para a redenção.
Esta redenção nasce da afeição que o personagem passa a
nutrir por Irene e seu filho. Ela surge como uma promessa não anunciada, súbita.
É na composição familiar, quando os três formam a família possível para cada
um, que emerge o sonho da redenção do herói sem nome. Mas uma redenção de
pecados ainda não conhecidos, que serão presumidos apenas pelo que vem depois,
pelo que ele vir a fazer, não pelo que já tenha feito.
Há nisso uma inversão. A redenção buscada antes que se
conheça o pecado. Um mal ou fardo insuspeito no rosto quieto, afável e
misterioso desse Motorista. A revelação se inicia na cena em que um antigo
“cliente” de assalto puxa papo em um bar, e na violência latente da resposta
ameaçadora do Motorista. Termina na cena do elevador, quando a porta se fecha
depois da ação e o que ela separa naquele momento é o herói de sua redenção. A
partir dali não há mais volta, a descida ao inferno começou.
Uma vez desencadeada a violência, ela não cessa até o último
homem. É motivada pela vingança, pela sobrevivência, pelo desejo de proteger
algo que já não se pode alcançar. Nos gestos, na violência e no silêncio, este
Motorista se amplifica; do unidimensional aparente, se desdobra em
possibilidades. É complexo, mas não inventa essa complexidade, apenas sugere.
Dirigido pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn, Drive reúne elementos diversos: de
atmosfera, temática e ação. Consegue dar unidade a esses elementos e
intensidade a seu personagem. O resultado é de uma textura indefinida, um filme
diferente, raro em sua composição e marcante em sua fluidez. Não entrega nada
novo, mas remonta gêneros com assinatura própria e o faz de forma consistente e
indelével.
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Drive
Nicolas Winding Refn
EUA, 2011
100 min.
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