domingo, junho 28, 2015

A Lição

Logo na primeira cena, o caráter da protagonista de A Lição ganha um contorno nítido e sublinhado. A sólida e veemente austeridade com que reage diante de uma acusação de roubo na sala de aula onde leciona inglês não deixa dúvida sobre sua rigidez moral. Mais do que o exemplo a ser transmitido para a classe, vemos que sua indignação é autêntica. Um roubo, dentro dos seus valores pessoais, é algo absolutamente inaceitável.

A construção desse pilar moral na forma de uma professora de ensino médio será reforçada no semblante sempre duro e nos passos firmes, sonoros, ritmados por um caminhar obstinado. E também pelo contraste entre ela e toda a iniquidade com que vai deparar ao longo do filme. A começar pelo marido.

Um dia, ao voltar do trabalho, descobre que está a três dias de perder sua casa. As prestações não foram pagas. O marido, desempregado, a quem ela confiava o dinheiro, gastou com outras coisas. Eles e a filha de quatro anos serão despejados.

Começa aí uma descida em espiral ao inferno para tentar conseguir reverter a situação. Cada volta dessa trajetória colocará a professora – e seus princípios – diante de níveis crescentes de sordidez, fraqueza moral, corrupção, leviandade e desespero. Gradativamente, a estrutura sólida dessa mulher-pilar vai receber bombardeios que desafiarão sua resistência e colocarão em xeque a retidão de seu caráter.

O peso desse drama e das convicções abaladas estará presente na fisicalidade da personagem, muito mais do que nos diálogos. Como quando ela se vê obrigada a percorrer a pé vários quilômetros até sua casa. A exaustão da caminhada – assim como a exaustão de sua jornada para não perder a casa e a exaustão de se manter correta frente a tanta corrupção e indolência – estará inteiramente representada no caminhar dessa cena. A forma como a outrora obstinação, o passo firme e a postura altiva dão lugar a um andar manco, curvado e incerto, formam uma comovente metáfora do espírito da professora naquele momento.

Ao mesmo tempo que revela a força do desespero no declínio das convicções do caráter, A Lição traz também um retrato crítico da burocracia do estado, da ineficiência de seus instrumentos e da contaminação de suas estruturas pela ação corrupta e marginal de seus agentes. Acima de tudo, mostra o desamparo do cidadão diante de uma situação anacrônica, que muitas vezes resvala no kafkiano.

Ao encerrar seu ciclo de volta à sala de aula em uma cena final desconcertante, A Lição se revela um filme que desconstrói visões maniqueístas e coloca os princípios éticos em uma dúvida fundamental. Não se trata de justificar desvios morais, mas de mostrar que por trás de cada gesto torto pode existir mais complexidade do que a simples falta de caráter.
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Urok
Kristina Grozeva e Petar Valchanov
Bulgária/Grécia, 2014
105 min.

Trailer

 

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