domingo, junho 30, 2013

Os Amantes Passageiros





A palavra “Península”, nome da companhia aérea fictícia estampado no avião que se prepara para decolar, entrega de cara o tom nada sutil que Pedro Almodóvar parece querer dar à sua comédia gay Os Amantes Passageiros.

Isso porque ao nomear desta forma o voo que será palco da loucura e do desarranjo, sabemos logo que naquele microcosmos estará representada a Espanha em crise dos últimos anos, na qual, logo de início, vê-se uma espremida e lotada “classe econômica” sedada pela tripulação em conveniente sono “desalarmado”.

Ao mesmo tempo, na “classe executiva” e no comando da aeronave, a elite toma consciência dos problemas do voo e dos riscos a que estão sujeitos. Começa então o expurgo de pecados na típica neurose “almodovariana”.

Depois de uma densa e insólita obra-prima como A Pele que Habito – filme anterior do diretor espanhol – parece que Almodóvar está agora mais preocupado em divertir-se do que em realizar uma obra intensa. Assim, fica o insólito e sai o denso.

Com uma tripulação gay personificada no mais caricato do gênero, cria-se naquele universo metafórico uma paródia político-social, mas sem a pretensão de ir fundo no que quer que seja. Ali, basta extrair do público um riso fácil com piadas fáceis, pautadas em trejeitos, diálogos improváveis, confusões típicas de uma comédia camp com suas frivolidades e seu gosto duvidoso.

Mas nada disso é, necessariamente, ruim.

Essa despretensão faz de Os Amantes Passageiros um filme aparentemente bobo, mas muito eficiente em fazer rir a plateia. Portanto, da falta de riso não se pode queixar-se – exceto, talvez, os plantonistas filósofos da comédia, que exigem sisudamente que até mesmo o riso seja sempre intelectualizado.

Com essa combinação de bobo e fácil, pode-se presumir um filme ruim, um “mau” Almodóvar. Mas esse julgamento apressado é que é fácil, talvez até preguiçoso. Porque se não há em Os Amantes Passageiros a fibra intensa mais comum na obra do diretor – seja em comédias passadas, seja nos dramas mais profundos de sua autoria –, também não falta ali sua assinatura e marca pessoal.

Isso pode até não bastar para fazer desse um bom filme do espanhol, mas funciona bem para aquilo que se propõe: o riso sem dificuldade e piadas simples sem rodeios. Quem esperar mais que isso, vai se decepcionar.

De fato, este é o que pedantemente pode-se chama de um Almodóvar “menor”, bastando uma comparação com a obra do diretor para se confirmar isso. Se dentro dessa obra ele é um filme até dispensável, dentro do universo do gênero comédia ele merece destaque.

Dizer que Os Amantes Passageiros é um filme bobo não implica mentira. Apenas simplismo. Feito para rir, feito para divertir, a própria caracterização exagerada de seus personagens gays é passaporte para deixar de lado o denso e fixar-se no insólito. Por pura diversão.

Bobo mesmo é achar que um grande diretor como Pedro Almodóvar não pode fazer algo assim. Ele pode e ele fez. Quem quiser que se divirta.
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Los Amantes Pasajeros
Pedro Almodóvar
Espanha, 2013
90 min.

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quarta-feira, junho 12, 2013

Família Vende Tudo


O que há de melhor em Família Vende Tudo é a impecável caracterização dos personagens. Só quem nasceu e cresceu na periferia de São Paulo pode atestar o acerto com que o filme representa esse universo. O modo de falar e de vestir; as casas, as ruas, as relações familiares e com os vizinhos. Nesse quesito, não se nota no filme qualquer “ruído” de artificialidade, algo comum em produções que se arriscam a reproduzir a atmosfera da periferia.

Uma família que vive de bicos e da venda de produtos falsificados vindos do Paraguai perde toda mercadoria em ações da polícia. Para pagar a dívida com o agiota do bairro, decidem tentar aplicar o golpe da barriga em um cantor de música brega. Para isso, utilizam a filha Lindinha (Marisol Ribeiro), fã do cantor e a única que, em raros momentos, parece sentir alguma culpa pelo que está fazendo.

É pelo campo da amoralidade que o diretor e roteirista Alain Fresnot faz transitar seu filme. Sem qualquer hesitação, todos se empenham em fazer lindinha engravidar do cantor e em extorquir dele algum dinheiro. Não há culpas e questionamentos, exceto para Lindinha.

A participação ativa do filho mais velho, evangélico praticante, funciona como ironia e provocação. Nesse terreno da amoralidade, o filme faz algumas piadas divertidas, brincando catarticamente com questões como a pirataria no cinema nacional e a invasão evangélica na televisão.

No entanto, o filme se perde a partir do meio da história. Isso porque envereda por um registro sem muito propósito, oscilando entre um romantismo de almanaque e tons de realismo fantástico.

Essa mudança faz com que a narrativa perca sua coerência interna que estava bem estabelecida até então. O que vinha sendo condizente e harmonizado em termos de proposta – como enredo, atuações, atmosfera e o deboche bem desenvolvido –, de repente se evapora na mudança de tom, que pouco se encaixa com o que foi estabelecido até ali.

O efeito lembra certos roteiros hollywoodianos, que se iniciam com originalidade e até ousadia, mas depois se rendem a uma mesmerização calculada e programada para manter o espectador na sua zona de conforto. É como se não pudesse ir além de certo ponto sem voltar logo para (e pelo) caminho bem conhecido e explorado.

Assim, o roteiro subitamente joga os personagens de Família Vende Tudo em situações nada convincentes. Percebe-se nesta mudança uma clara busca pelo esquemático roteiro das comédias românticas americanas, em geral previsíveis e insossas. A derrapada aqui é ainda pior, porque em alguns momentos envereda para um tipo de nonsense sem graça e sem justificativa, como um remendo destoante e precário.

Nessa derrapada, salva o filme do desperdício total seu mérito de declaradamente não se levar a sério, o que sempre ajuda a minimizar os equívocos. Mas não o bastante para fazer da experiência de assisti-lo algo suficientemente divertido. O que tem de bom, fica lá pela metade. Se tanto.
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Família Vende Tudo
Alain Fresnot
Brasil, 2011
90 min.


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terça-feira, junho 11, 2013

Esses Amores

Já na abertura de Esses Amores, o diretor francês Claude Lelouch deixa claro que o filme é uma homenagem a si próprio e a seus 50 anos de carreira – com 43 filmes realizados. Algo como um filme testamento, embora não de despedida.

Assim, entre o amor e o destino – temas recorrentes na obra do diretor –, vemos muitas referências a filmes e diretores que influenciaram Lelouch, como Marcel Carné e Victor Fleming, além de referências à sua própria obra.

O filme é sobre Ilva (Audrey Dana), uma mulher nascida na primeira metade do século 20, que atravessa guerras e amores sem medo de tabus.

Em torno dela há o destino, que fará com que sua vida cruze com a vida de outros personagens, todos marcados de alguma forma pela guerra.

Entre a tragédia e a facilidade de Ilva em amar, esta mulher colecionará amores, histórias e desventuras através dos anos.

Esses Amores é visivelmente presunçoso. Também o é narrativamente. Perde-se por querer dizer muito dizendo efetivamente pouco.

Na primeira metade, faz uma salada de personagens e referências. Embaralha a História com uma narrativa de excesso e de atropelos.

Sem tempo para que o público crie simpatia pelo drama dos personagens, mesmo os mais fáceis de nos emocionarem – como as vítimas do Holocausto –, as histórias não despertam grandes sentimentos.

O resultado é um filme morno, que fala de paixões, de amores e tragédias sem comover o expectador.

Para piorar, o diretor retarda ao máximo o desfecho final, saltando no tempo e criando uma artificial relação de família e futuras gerações.

Tudo envolvido por uma trilha que se esforça ao máximo em emocionar, mas consegue apenas, de forma constrangedora, desmascarar sua própria intenção de comover.

A impressão que resta no fim é de que o desejo de autocongratulação de Lelouch se mostra como uma remoída pieguice. Absolutamente pobre e insípida.
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Ces amours-là
Claude Lalouch
França, 2010
120 min.


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