Como ano passado, pelos próximos dias as atualizações acontecerão na página especial de cobertura da 36ª Mostra Internacional de Cinema. http://mostra36.blogspot.com.br/
A tristeza e inocência dos personagens de Moonrise Kingdon, novo filme de Wes
Anderson (de Os Excêntricos Tenenbauns
e Viajem a Darjeeling), que chega aos
cinemas nesta sexta (12), soma-se de forma inusitada à aventura de descoberta
que seus dois protagonistas empreendem ao fugirem de casa.
No cinema de Wes Anderson, o fabular sempre ronda. Porém,
nunca contamina em excesso o estilo particular do diretor. É por isso que a tristeza,
assim como a inocência, estão aqui pinceladas com graça e delicadeza,
equilibradamente diluídas em uma narrativa de sabor incomum.
Sam (Jared Gilman) tem 12 anos e fugiu de um acampamento de
escoteiros. Não se sentia integrado ao grupo por ser considerado estranho pelos
demais. Suzy (Kara Hayward), não tem mais que 13 anos e fugiu de casa. Não se
sentia parte da família por se sentir estranha dos demais.
O ano é 1965 e ambos empreenderão juntos uma fuga em que as
descobertas da puberdade serão matizadas – e construídas – em contraponto com a
busca de que serão vítimas. Para encontrá-los, desfila na tela um elenco que
tem Bruce Willis, Edward Norton, Bill Murray, Frances McDormand, Tilda Swinton
e Harvey Keitel. Os nomes falam por si sós.
Com seu peculiar modo de contar uma história, Wes Anderson
nos entrega um filme em que a delicadeza nunca atinge tons de mesmice
sentimental. Em vez disso, está sempre coberta pelo véu do improvável,
equilibrando-se entre a graça do cômico inesperado e um permanente sentimento
de melancolia.
Note-se sempre que na beleza dessa aventura, preenchida com
uma aura mística, de memória e fantasia, nunca há a alegria. Haja ou não final
feliz, resolva-se ou não o imbróglio da tristeza e desventura de todos os
personagens, ninguém ri, ninguém se alegra.
Isso em nada diminui o quanto o filme é divertido. Revela
apenas a natureza desses personagens, algo que fadados a suas próprias vidas, desde
muito jovens. Não por acaso, a história se passa numa ilha. Nos dissabores
dessa aventura e na trajetória de “escape” que a trama apresenta, Moonrise Kingdon não deixa que a
melancolia corrompa as possibilidades do porvir, mas tampouco a deixa de lado,
como se não fosse, sempre, também uma possibilidade por vir.
Palma de Ouro em Cannes 2009 com A Fita Branca e novamente este ano com Amour, Michael Haneke realizou em 2005 Caché. Juntando-se com Violência
Gratuita, de 2007, pode-se dizer que o diretor austríaco tem apresentado em
seu cinema um olhar perturbador sobre aspectos da condição e da natureza
humana. São filmes que não trazem respostas, mas perspectivas de amplo leque.
Em Caché, vemos um
casal de classe média alta receber anonimamente fitas de vídeo que mostram sua própria
casa. Filmadas da rua em frente ao imóvel, mostram algumas saídas e chegadas da
família - pai, mãe, filho. Junto às fitas VHS, deixadas à porta em uma sacola
plástica comum, desenhos infantis que reproduzem uma violência ameaçadora.
Ao compor esse quadro, Haneke explora o medo e através do
medo expõe outras coisas. De segredos do passado, da ruptura da confiança, da
acomodação burguesa e, mais perturbadoramente, da ausência de consciência e
culpa diante da maldade cometida. Como A
Fita Branca desdobraria muito mais profundamente, Haneke nos revela em Caché que o mal reside na mais ordinária
humanidade.
Mas longe de ser um diretor que se limita a contar uma
história, o austríaco nos provoca, nos instiga pelo uso que faz da imagem. Em Caché, ela é articuladora de uma consciência
subterrânea. A passividade com que é consumida é alvo de crítica velada pela
lente e pelo jogo imagético que Haneke constrói em seu filme. Da sutil
profundidade de campo, do registro em vídeo como forma de assegurar o real –
mesmo na morte –, do sonho e da memória como videotapes da culpa.
Caché encerra a
sordidez do humano no sono tranquilo, acomodado e seguro, de janelas fechadas.
Seu desfecho pode despertar em nós um sentimento de aversão e de culpa. Uma culpa
que carregamos sem saber porquê, mas que talvez esteja na maldade nossa de cada
dia, esquecida pelo sono indiferente à qualquer tragédia que nos cerque.
Repórter, redator e crítico de cinema. | Tem trabalhos publicados no jornal Folha de S.Paulo e nas revistas Brasileiros e Época São Paulo, e em sites especializados em cinema como Cineclick, Pipoca Moderna e Cinequanon. | Desde 2010 mantém o blog Eu, Cinema.